24 de março de 2011

A SEGUNDA IGREJA DO APOCALIPSE

“Escreve, pois, as coisas que tens visto, e as que são, e as que depois destas hão de suceder.” Apoc. 1:19
Estas palavras descrevem bem a tensão entre o futuro e o presente que são a essência da visão do profeta em Patmos. Este binómio das coisas “que são, e as que depois destas hão de suceder.” Aqui está a chave da interpretação das cartas (temas que abordamos e que se inicia no 2º capítulo) às sete igrejas. A mensagem que se dirige às Igrejas históricas de Ásia, contemporâneas de João, deve também ser lida como uma profecia que se relaciona com a Igreja no futuro e através dos tempos.
Proponho a leitura da carta à Igreja de Esmirna ou Smirna:
“8 E ao anjo da igreja que está em Esmirna, escreve: Isto diz o primeiro e o último, que foi morto, e reviveu:
9 Conheço as tuas obras, e tribulação, e pobreza (mas tu és rico), e a blasfémia dos que se dizem judeus, e
não o são, mas são a sinagoga de Satanás.
10 Nada temas das coisas que hás de padecer. Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados; e tereis uma tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida.
11 Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: O que vencer não receberá o dano da segunda morte.” Apoc. 2:8-11.
Esta cidade situava-se a norte de Éfeso, numa linda enseada do mar Egeu. Comercialmente, Esmirna era rival de Éfeso, e com o passar do tempo sobrepujou-a vastamente. É de realçar que Esmirna possuía o único mercado público em três andares, do mundo antigo, com dois níveis acima do piso e outro abaixo. Sob o nome de Izmir, a cidade de Esmirna sobrevive ainda hoje, sendo a terceira maior cidade da Turquia. É a mais próspera das sete cidades mencionadas em Apocalipse 2 e 3. Convido a analisar os versos mais relevantes por forma a retirarmos a mensagem ou mensagens mais importantes para a nossa vida cristã.
1. Qual é o verdadeiro significado de Esmirna?
Rª: Durante muito tempo acreditou-se que este nome derivava de múron, nome de uma goma aromática que se extraía de uma árvore (balsamodrendron myrrha). Esta goma era usada, para embalsamar os mortos, como unguento ou bálsamo. Os eruditos hoje em dia, pensam que este nome deriva de Samorna, uma deusa de Anatólia que era adorada em Esmirna.
No registo bíblico não se encontra nem quando, nem quem estabeleceu a igreja de Esmina. Esta igreja não é mencionada em nenhum outro lugar das Escrituras, a sua existência é pois contemporânea às 7 igrejas mencionadas no Apocalipse. No que diz respeito ao período profético e histórico ela situa-se do final do Iª ao IIIº. Os eruditos sugerem o ano 323 d. C., a data da suposta conversão do imperador Constantino. Deve notar-se que as profecias dos capítulos 2 e 3 não têm um sentido fixo; sugerimos as datas para fazer a correlação aproximada da profecia histórica.
2. O verso 9 sugere as dificuldades pelas quais passou esta igreja, o que se passou?
Rª: O termo “tribulação”, “aflição” ou “dificuldade”. Referem seguramente as perseguições intermitentes lançadas pelos diferentes imperadores romanos durante o período acima mencionado; Trajano (98-117), Adriano (117-138) e Marco António (161-180), eram perseguições esporádicas e localizadas. A primeira grande perseguição sistemática e abrangente a todos os cristãos foi obra de Décio (249-251) e Valeriano (253-259). A opressão política e mais cruel teve como protagonista o imperador Diocleciano (284-305) e os seus sucessores (305-313), não se cansaram de derramar sangue. Assim, o período da igreja de Ermirna bem se pode chamar o tempo dos mártires.
Nota explicativa: Neste texto (2:9), temos uma afirmação surpreendente “sinagoga de Satanás”. Somos levados a pensar nos responsáveis judeus e atitude que tomaram contra Jesus. Foi na sinagoga onde se urdiram todas as intrigas contra os cristãos. O nome Satanás significa “acusador” ou “adversário” (ver Zac. 3:1; Apoc. 12:10). Estes centros judeus chegaram a ser, literalmente, “sinagogas do acusador”.
3. O texto 10 traz conforto do céu. E qual é a exortação?
“Não temas das coisas que hás-de padecer”. A igreja de Esmirna foi sem dúvida alvo de calúnias dos judeus, mas os membros ainda não tinham sentido a violência da perseguição. No entanto, estes filhos de Deus, já conheciam as dificuldades vividas por companheiros seus e sabiam que ela viria também sobre eles. Isto está implícito no tempo do verbo “temer”: estavam temerosos. Cristo promete consolo e segurança de que apesar das negras perspectivas da perseguição não deveriam alimentar esse temor. Ver Mat. 5:10-12.
Nota explicativa: Surge também no texto uma formulação curiosa “dez dias”. Esta expressão tem sido interpretada de duas maneiras; 1) aplicando o principio de dia/ano, como um período de dez anos literais, o qual se tem aplicado o período de terror imperial de 303-313 d.C. Diocleciano e o seu co-regente e sucessor, Galerio, governaram nesta década e dirigiram a mais encarniçada campanha de aniquilamento que o cristianismo nunca antes tinha sofrido às mãos da Roma pagã. A história dos horrores desta década são descritos por Teodoreto (História eclesiástica i.6), que descreve o concílio de Niceia, relata que uns apareceram sem olhos, outros sem braços porque lhos tinham arrancado; b) outros teólogos e historiadores pensam que não é completamente certo que os “dez dias” representem tempo profético, e explicam assim: “o que vais padecer”, “o diabo”, “a prisão” e a “morte” foram seguramente literais, portanto, é natural considerar que os “dez dias” sejam também literais. Neste caso o número “dez” pode considerar-se como um número global, como sucede frequentemente nas Escrituras (Ecl. 7:10; Is. 5:10; Dan. 1:20; Amós 6:9; Mat. 25:1,28; Luc. 15:8; etc.); “Dez dias” representariam, um número redondo, um breve período de perseguição como a que sofreu sem dúvida a igreja Esmirna nos tempos apostólicos. Ou mesmo uma representação espiritual para traduzir a ideia de teste. Tendo até em conta os dez dias de teste (Daniel 1:14,15). Este simbolismo conservou na mente judaica um simbolismo muito forte, até no calendário judaico. Dez dias separam Roch hachanah, festa das trombetas, do Kippour, o dia do julgamento – o tempo para os judeus de passar pelo teste e de se preparar para a festa da expiação. Seja como for, o eco da morte não terá a última palavra. A coroa da vida será reservada para os mártires da fé (Apoc. 2:10).
4. Qual é a exortação d´Aquele que foi vitorioso sobre a morte?
Rª: “…Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: O que vencer não receberá o dano da segunda morte.”
Conclusão: “Sê fiel”. A flexão do verbo traduz-se melhor “continua a ser fiel”. Esmirna demonstrou que era uma igreja fiel. Em consequência dessa fidelidade não passaria pela “segunda morte”. Em contraste com a primeira morte, que transitoriamente põe fim à vida agora, mas da qual haverá uma ressurreição tanto dos “justos como …injustos” (Atos 24:15). A segunda morte será a extinção final do pecado e dos pecadores, e dessa não haverá ressurreição (Apoc. 20:14; cf. 21:8). Nesta passagem a “segunda morte” designa a morte definitiva, uma morte sem esperança de ressurreição. Em Apocalipse 20:6 esclarece o propósito das duas ressurreições. A primeira ressurreição concerne os justos na vinda de Jesus Cristo. A segunda ressurreição concerne os injustos. Só a primeira ressurreição abre a porta da eternidade. A segunda, em vez, termina com a morte eterna. Dito por outras palavras, todos sofrerão a primeira morte, mas só os injustos sofrerão a segunda morte. Para os crentes de Esmirna prometer que não sofrerão a segunda morte, é pois, prometer-lhes a esperança de uma ressurreição efectiva. Na Bíblia, a sobrevivência da alma ao corpo é espúria. Só o milagre da ressurreição, na gloriosa vinda de Jesus, implica que a totalidade do indivíduo tenha acesso à vida eterna. Louvado seja o Senhor por esta gloriosa esperança. Amém!

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